quarta-feira, 9 de março de 2011

Viver pra torcer

            Lembro-me quando era pequeno que jogávamos futebol na rua. Sem bola! É mole? Improvisávamos uma  com muitos panos enrolados cuidadosamente em meia de mulher. Não tinha esse negócio de gramado natural ou sintético. Era na rua mesmo, com paralelepípedo, amplas calçadas de concreto e parando o jogo para os carros passarem. Claro que de vez em quando um ia pra casa com um machucado feio. Os mais fominhas voltavam no outro dia com o pé cheio de gase, mas não deixavam de participar. Os mais cautelosos aceitavam jogar no gol, mas outros disputavam, ainda que mancos, todas as jogadas. Tudo isso aconteceu lá no Rio, bem pertinho do Morro do Alemão, que depois acabou virando o Complexo que todos conhecem.
As celebridades da época se destacavam por seu talento individual, como Mané Garrincha, Pelé, Gerson entre outros. O primeiro teve uma vida conturbada, contada com detalhes, até picantes, por Ruy Castro em “Estrela Solitária”. Pelé, por sua vez, namorou Xuxa e fez fortuna nos Estados Unidos. Um até virou garoto propaganda, Gerson – o canhotinha de ouro -  fazendo publicidade de cigarro. Na época quem fumava, segundo o anúncio,  levava vantagem em tudo.
 Desde então, o futebol se transformou, e muito.  A rapaziada hoje vai para o exterior, se casa com modelos, desfila com carrões e mora em mansões confortáveis. Os casamentos caros estão na moda. Duram pouco, é verdade,  mas é  o  glamour. Ronaldo, o fenômeno, Pato e Romário que o digam. As meninas cobram caro pelos curtos relacionamentos e são amparadas pela Justiça, especialmente quando são gerados filhos. Pato, mesmo, acabou de ser condenado a pagar uma grana de pensão para a ex-mulher e Ronaldo acabou de reconhecer a paternidade de um pequeno. Romário, que no passado foi duramente perseguido por Oficiais de Justiça, pois devedor contumaz de pensão alimentícia, acabou virando deputado federal.
Em verdade não gosto destas mediações que se criam hoje em torno do futebol. Na minha época não havia, nem mesmo na Europa, tanto profissionalismo como há hoje, e, como conseqüência, tantas somas investidas nessa paixão que, há tempos,  não é mais só nacional.
Mas o destino me pregou uma grande peça. Há cerca de cinco anos atrás levei meus dois filhos para uma pequena temporada em um Hotel Fazenda e resolvi arriscar uma partidinha. Meu filho menor ainda com 5(cinco) anos acabou jogando também por alguns instantes, mas “expulsei-o” pois o jogo estava começando a ficar forte demais. Adultos podem brincar de jogar bola com crianças, mas jogar pra valer não dá, por razões óbvias. Inconformado ele foi consolado, a beira do gramado, por um casal que assistia ao jogo, em que, ao pendurar as chuteiras, fiz dois belos gols. O que foi a "glória" para mim acabou não representando nada para ele, tão aborrecido com o limite que lhe foi imposto.
Parece que a minha relação com o futebol tende a continuar, pois o pequeno anda, hoje, se destacando em uma escolinha de futebol, onde vou pegá-lo com certa freqüência, como lateral-esquerdo(ainda por cima é o primeiro canhoto da família). Acho pouco provável que ele se profissionalize, o que não é meu desejo, mas se acontecer, e se viver para ver, certamente estarei na torcida.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Relações Musicais I

                Creio que a experiência de tocar, cantar e compor canções, de certo modo, nos abre as portas para um mundo verdadeiramente mágico. Venho observando, através desse canal fantástico que é o youtube, que muitos músicos se mostram para muito além de seu talento musical, e, as vezes sem o querer, expõem facetas de suas personalidades encantadoras, que se confundem, mesmo, com a forma de interpretar as canções.
                Como é prazeroso observar, por exemplo, as relações que se estabelecem entre alguns músicos que já se consagraram junto ao público. Falemos primeiramente do Chico Buarque, reportando-nos a dois exemplos da reverência de Chico para com o saudoso Dorival Caymmi. Acessem: http://www.youtube.com/watch?v=X6yqD1NQnBk. Observe-se o respeito, admiração e até uma certa tentativa de Chico imitar os gestos de Dorival Caymmi. Creio até que Carmem Miranda aprendeu esses trejeitos com Dorival. Eles estão, inclusive, uniformizados. Em outro exemplo, Chico interpreta juntamente com Caymmi uma canção, de harmonia simples e letra curta e repetitiva, mas que tem o inigualável estilo desse notável baiano: http://www.youtube.com/watch?v=xkdk-cQlCBA.  Em “Paratodos” Chico diz: “use Dorival Caymmi”. Confira a canção na interpretação de vários amigos de Chico, inclusive o próprio Caymmi: http://www.youtube.com/watch?v=OgqerejOJdc
                  Um outro exemplo que envolve o Chico é uma gravação dele com Gal e Djavan, ainda bem jovens(em verdade nenhum deles envelheceu), que nos mostra a cumplicidade dos três. Só a parte inicial, recheada pela alegria da Gal e a marotice do Chico, já vale pelo clip: http://www.youtube.com/watch?v=RkzwNOTkGOs. Lembre-se que esta canção foi feita por Djavan, mas encomendada por Gal, que pediu uma referência a Jô Soares. Gal, por sua vez, mostra toda a sua sensualidade, em outra gravação da mesma canção com Djavan, a ponto de deixá-lo um pouco desconcertado: http://www.youtube.com/watch?v=KMwG6sEyxN0.
                Chico, do mesmo modo que reverencia Caymmi, é reverenciado, obviamente por seu públicos e fãs, mas também por vários artistas. Conta-se que Roberta Sá, em vias de gravar o seu DVD, viu Chico passar e correu feito uma louca atrás dele e lhe pediu que participasse de seu projeto. Quem recusaria um convite dessa excepcional intérprete da música brasileira, a encantadora Roberta Sá? O Chico, não: http://www.youtube.com/watch?v=AyIte1h7QIU. E o Ney Matrogrosso também não: http://www.youtube.com/watch?v=ERj1l2a_RtI. E neste último clipe tem de quebra o Trio Madeira Brasil, os meninos que fazem um som da mais alta qualidade com um violão de 6, outro de 7 e um bandolim. Músicos que passeiam pelo samba com a mesma tranqüilidade que dominam o chorinho.
                E essa menina potiguar, que deixou para trás a cidade de Natal – RN, ainda menininha(9 anos) na direção do Rio de Janeiro, é uma das novas intérpretes da música brasileira, que tem essa capacidade incrível de aglutinar, com a sua indiscutível afetividade,  grandes músicos e intérpretes em torno de si, como é o caso do grupo vocal MPB4: http://www.youtube.com/watch?v=sdvIz9FCjlM&feature=related.  Registre-se que esta canção é de Miltinho e  Paulo Cesar Pinheiro, este último tão desconhecido do grande público, mas o maior letrista(não tanto como melodista) do cancioneiro brasileiro, com mais de duas mil canções gravadas: http://www.youtube.com/watch?v=EnMvbMfD2eY&feature=related.

domingo, 5 de dezembro de 2010

A(feto)

O sol invade o quarto sem pedir licença. Ela se vira, cobre a cabeça com o travesseiro, muda de posição e toma conta da cama. É hora de acordar. São quase nove da manhã. Ela se levanta, escova os dentes com força e se olha no espelho. Não se vê como uma bela mulher, mas é linda, acho!
Dá um pulo na cozinha e prepara a cafeteira. Enquanto toma banho  sente o forte cheiro de café. A água morna, quase quente escorre abundantemente sobre seu corpo. Ela se deixar acariciar por aquela corrente contínua e abundante. Seu banho é longo e meticuloso. Massageia seu próprio corpo com delicadeza e seus pensamentos escorrem com a água. Pós-banho é a hora dos cremes passearem sobre seu corpo: da ponta do nariz até a sola dos pés.
A mesa está posta. A empregada conhece seus hábitos e prepara tudo em silêncio, mas com o carinho habitual. Ela queria ser como a patroa, se projeta nela. Jovem, inteligente, meiga e... Ela come pouco pela manhã: frutas, queijo minas, goiabada cascão. Noutro dia iogurte com granola. E por aí vai. Não quer engordar! Não quer repetir os erros do passado. Só se admite gorda grávida.
Hora de se arrumar, hora do vai e vem dos cabides. Tudo tem que combinar. Calcinha com sutiã. Blusa com calça ou saia. Sandália com o resto. Mais quinze minutos de tensão. Preciso comprar roupas, diz, pois não gosto de mais nada que tenho. Afinal, consegue uma boa combinação. Tá atrasada, como de costume, e sai correndo. Linda e esfuziante!
Esta é a minha mãe, minha paixão. Não conheço meu pai, mas sei que minha mãe o ama muito. Chora, mas de saudades. E eu sou fruto deste amor, sei disso, mas não entendo o seu sofrimento.
Ela dirige velozmente e mal se dá conta da paisagem que a cerca. Mar, montanhas e vegetação preservada. As paqueradas na sinaleira. Alheia a tudo ela consegue, finalmente, chegar no horário. Passa horas a fio na frente do computador. Ao final do dia está exausta, exaurida. Agora está no super. Compra somente o básico e uma garrafa de um bom vinho, que irá tomar durante a semana. Uma taça por dia.
Chega em casa. O mano a espera. Libera a empregada. Ele está cansado e carentinho, mas ela precisa preparar o seu jantar. Come e bem. Quer ver um filminho.  Ela lhe dá um colo, ao seu inigualável  jeito. Ele se aninha em seu corpo e em poucos instantes está dormindo profundamente.
Ela, então, vai para o seu canto. Lê o livro da hora. Retoma, por instantes, o estudo do francês. E escreve, escreve muito. Escreve para ele mas os guarda. Não os remete pelo correio. Vai dormir muito tarde, mas feliz por estar conosco, feliz por estar tão consigo mesma.
Gosto mesmo é dos finais de semana. Sem hora para acordar, sem hora para almoçar. Passamos o dia brincando e ela distante dos afazeres domésticos. A empregada deixa tudo preparado: comida congelada, casa limpa e roupa passada. Ela é só nossa. Ao cair da tarde vamos para a praia. Ela fica com a gente, mas tem também o seu momento. Nada, caminha dentro da água e brinca com as ondas. É uma menina que encanta quem a vê, homens e mulheres.
Mas o meu fraco mesmo são os seus cheiros. O perfume que exala o seu corpo, sua boca e suas partes íntimas. Adoro os cheios que produz na cozinha também. As comidinhas molhadas, bem como o mano gosta. As experiências com temperos.
Ops! Tá na minha hora. Eu lhe dou uma força. Saio do meu ambiente aquático e a primeira pessoa a quem vejo é meu pai, de forma um pouco difusa. Ele é quem primeiro me pega no colo. Chora e nos diz: Nunca mais vou deixar vocês. Agora ele ficará conosco, pois concluiu, finalmente, o seu Doutorado na França. Olho para ela e a vejo claramente. Como eu pensara, apesar de abatida, linda. Ela olha timidamente para papai e ele me acomoda novamente em seu corpo. Sugo o seu seio e durmo profundamente...