domingo, 5 de dezembro de 2010

A(feto)

O sol invade o quarto sem pedir licença. Ela se vira, cobre a cabeça com o travesseiro, muda de posição e toma conta da cama. É hora de acordar. São quase nove da manhã. Ela se levanta, escova os dentes com força e se olha no espelho. Não se vê como uma bela mulher, mas é linda, acho!
Dá um pulo na cozinha e prepara a cafeteira. Enquanto toma banho  sente o forte cheiro de café. A água morna, quase quente escorre abundantemente sobre seu corpo. Ela se deixar acariciar por aquela corrente contínua e abundante. Seu banho é longo e meticuloso. Massageia seu próprio corpo com delicadeza e seus pensamentos escorrem com a água. Pós-banho é a hora dos cremes passearem sobre seu corpo: da ponta do nariz até a sola dos pés.
A mesa está posta. A empregada conhece seus hábitos e prepara tudo em silêncio, mas com o carinho habitual. Ela queria ser como a patroa, se projeta nela. Jovem, inteligente, meiga e... Ela come pouco pela manhã: frutas, queijo minas, goiabada cascão. Noutro dia iogurte com granola. E por aí vai. Não quer engordar! Não quer repetir os erros do passado. Só se admite gorda grávida.
Hora de se arrumar, hora do vai e vem dos cabides. Tudo tem que combinar. Calcinha com sutiã. Blusa com calça ou saia. Sandália com o resto. Mais quinze minutos de tensão. Preciso comprar roupas, diz, pois não gosto de mais nada que tenho. Afinal, consegue uma boa combinação. Tá atrasada, como de costume, e sai correndo. Linda e esfuziante!
Esta é a minha mãe, minha paixão. Não conheço meu pai, mas sei que minha mãe o ama muito. Chora, mas de saudades. E eu sou fruto deste amor, sei disso, mas não entendo o seu sofrimento.
Ela dirige velozmente e mal se dá conta da paisagem que a cerca. Mar, montanhas e vegetação preservada. As paqueradas na sinaleira. Alheia a tudo ela consegue, finalmente, chegar no horário. Passa horas a fio na frente do computador. Ao final do dia está exausta, exaurida. Agora está no super. Compra somente o básico e uma garrafa de um bom vinho, que irá tomar durante a semana. Uma taça por dia.
Chega em casa. O mano a espera. Libera a empregada. Ele está cansado e carentinho, mas ela precisa preparar o seu jantar. Come e bem. Quer ver um filminho.  Ela lhe dá um colo, ao seu inigualável  jeito. Ele se aninha em seu corpo e em poucos instantes está dormindo profundamente.
Ela, então, vai para o seu canto. Lê o livro da hora. Retoma, por instantes, o estudo do francês. E escreve, escreve muito. Escreve para ele mas os guarda. Não os remete pelo correio. Vai dormir muito tarde, mas feliz por estar conosco, feliz por estar tão consigo mesma.
Gosto mesmo é dos finais de semana. Sem hora para acordar, sem hora para almoçar. Passamos o dia brincando e ela distante dos afazeres domésticos. A empregada deixa tudo preparado: comida congelada, casa limpa e roupa passada. Ela é só nossa. Ao cair da tarde vamos para a praia. Ela fica com a gente, mas tem também o seu momento. Nada, caminha dentro da água e brinca com as ondas. É uma menina que encanta quem a vê, homens e mulheres.
Mas o meu fraco mesmo são os seus cheiros. O perfume que exala o seu corpo, sua boca e suas partes íntimas. Adoro os cheios que produz na cozinha também. As comidinhas molhadas, bem como o mano gosta. As experiências com temperos.
Ops! Tá na minha hora. Eu lhe dou uma força. Saio do meu ambiente aquático e a primeira pessoa a quem vejo é meu pai, de forma um pouco difusa. Ele é quem primeiro me pega no colo. Chora e nos diz: Nunca mais vou deixar vocês. Agora ele ficará conosco, pois concluiu, finalmente, o seu Doutorado na França. Olho para ela e a vejo claramente. Como eu pensara, apesar de abatida, linda. Ela olha timidamente para papai e ele me acomoda novamente em seu corpo. Sugo o seu seio e durmo profundamente...